quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Nos braços do Morfeu (ou da Morfina?)

Li recentemente uma pesquisa que diz que as mulheres costumam sonhar com mais frequência e a se lembrar mais de seus sonhos do que os homens.

Não contrario a regra: meus sonhos chegam a ter uma riqueza de detalhes quase cinematográfica. E lembro deles constantemente, compondo uma verdadeira coleção de sonhos memoráveis.

O mais célebre deles foi quando sonhei que era campeã de patinação no gelo. Sonhei que eu e meu namorado de então fazíamos uma dupla de patinação no gelo e que éramos os primeiros brasileiros a conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Inverno. A riqueza de detalhes era impressionante: sonhei com o momento de subir ao pódio, a medalha um tanto pesada pendurada em meu pescoço; a execução do hino nacional enquanto a bandeira brasileira era hasteada, fazendo com que eu tivesse uma crise de choro, de pura emoção. Sonhei até com o nosso retorno ao país, recebidos no aeroporto pela mídia em peso. Nosso sucesso foi tão imediato que logo fomos convidados a estrelar uma peça de teatro, a qual meu parceiro resolveu não participar, por timidez. Eu tentava instigá-lo a atuar: "Oras, patinamos naquele rinque na frente de tantas pessoas, encarar a plateia de um teatro vai ser moleza!". E o sonho terminava aí.

Obviamente, acordei às gargalhadas.

***

É lógico que nem tudo são flores: também tenho meus pesadelos, e a riqueza de detalhes é a mesma, infelizmente. Lembro-me que, na época do vestibular, sonhei repetidas vezes que estava fugindo e era sempre abatida com um tiro nas costas. Toda noite era o mesmo pesadelo, e se eu acordasse antes do desfecho trágico, assim que voltasse a dormir o pesadelo retomava do ponto onde tinha parado, como um filme no pause. Foram noites a fio nessa rotina, mesmo eu tendo experimentado todos os meios para se evitar pesadelos: não comer demais antes de dormir, ir dormir cedo, dormir bastante, não beber água antes de dormir. Os pesadelos continuaram por mais de um mês, até que, assim como vieram, se foram. E eu nunca soube de que estava fugindo - muito menos porque queriam tanto me ver literalmente pelas costas.

***

O último sonho memorável que tive ocorreu há algumas semanas. Sonhei que era convidada para dar aula para uma turma de adolescentes e, assim que chegava à escola, me dava conta de que não fazia a menor ideia de que disciplina eu viria ser a professora. Ia chegando o momento da aula e eu nervosa: cadê a ementa do curso? Que disciplina devo ministrar? Eu circulava pelos corredores da tal escola, uns labirintos confusos como uma Hogwarts tupiniquim - cheguei mesmo a invadir um ensaio de teatro escolar, pedindo direções sobre como achar a coordenação. Por fim, eu chegava na sala dos professores, onde encontrava uma ex-colega de trabalho (na vida real), provavelmente quem havia me convidado. Eu lhe disse: "Oi, Fulana, a aula vai começar daqui a uma hora, mas não sei ainda qual é a minha disciplina". "Ah, sim: você vai ser a professora de Confusão Politica". Juro. Con-fu-são-po-lí-ti-ca era o nome da matéria que eu deveria ensinar a adolescentes de 15 anos. Pensando bem, tendo em vista a conjuntura atual, não poderiam achar alguém melhor para professora dessa disciplina... 

Acordei ovacionada pelos alunos, extasiados com minha primeira aula sobre Confusão Política - da qual, aliás, não lembro absolutamente nada.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Homens

Faço meu horário de almoço num restaurante que tem essas mesas compridas, em que você divide espaço com gente que nunca viu mais gorda ou magra na vida. Do meu lado, a moça morena de óculos conversa com o colega de trabalho, que já parte para o segundo prato de comida:

- Ah, não aguento mais sair com a Fulana. Toda vez que a gente sai a mulherada só fala de homem!

O cara concorda através de grunhidos.

- Eu digo: "pô, vocês não leem um livro, não veem um filme não? Só sabem falar disso? Eu, hein".

Parecia comigo falando.

sábado, 26 de novembro de 2011

Literata

Pizza Hut. Na mesa ao lado, a adolescente ajeita os óculos e declara:

- Detesto o Machado de Assis.

O restante da mesa engasga, pergunta o porquê. Ela faz um esgar com a boca cheia de ferros de aparelho:

- Não tem brilho nenhum no que ele escreve.

Resta apenas o pobre contentamento de saber que ao menos ela leu Machado de Assis para decidir que não gosta dele (será?). 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Meu momento "Meia-noite em Paris"

Vi Meia-noite em Paris no outro dia e tive uma iluminação: eu sou o próprio Gil, personagem do Owen Wilson.

No filme, o Gil descobre um meio de chegar a Paris dos anos 1920 e se esbalda com F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Picasso e Salvador Dalí, entre outros. Daí, a mocinha que ele conhece nos anos 1920 diz que adoraria viver na Paris da Belle Époque, na virada do século XX. Quando eles finalmente chegam lá e ela conhece seus ídolos Toulouse-Lautrec e Gauguin, estes lhe informam que, infelizmente, minha filha, você não está numa boa época: bom mesmo devia ter sido viver na época da Renascença.


Woody Allen resolve interromper por aí essa viagem cada vez mais distante aos primórdios da arte, antes que alguém dissesse que arte de verdade mesmo eram as pinturas rupestres dos primeiros homens. Mas uma lição fica: a gente sempre acha que antigamente era melhor, que a cultura hoje é uma porcaria, que cena cultural efervescente mesmo fica no passado. E eu me identifiquei muito, porque é o tipo de coisa que eu penso o tempo todo.

Porque, assim como o roteirista Gil, que suspira pela Paris dos anos 1920, eu também suspiro por priscas eras, épocas longínquas em que eu não era nem rascunho. Normalmente, sempre penso que gostaria de ter vivido nos anos 1960, curtindo os Beatles assim que seus vinis saíssem do "forno" (imagina a expectativa de aguardar um novo lançamento dos Beatles!!!). Mas outra época começou a atrair a minha atenção.

Comecei a ler recentemente as Obras Reunidas do Fernando Sabino, autor a quem dedico extrema admiração. Poderia até mesmo dizer que foi o primeiro autor que conheci, o que marcou minha vida literária para sempre, tanto como leitora, quanto como escritora, enfim: vamos à história.

Estou lendo o livro "Gente", em que ele biografa seus amigos e conhecidos em textos curtos e deliciosos de se ler. E vai vendo a turma de amigos: Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende etc. Aqui, ele descreve essa roda de amigos em um bar, bebendo alegremente; acolá, o mesmo grupo, já mais pra lá do que pra cá, discutindo sobre arte, literatura. E, de repente, me peguei pensando se hoje em dia acontece a mesma coisa. Será que, neste exato momento, há uma roda de amigos, de artistas, trocando experiências, discutindo filmes, livros, músicas, quadros, enquanto produzem a própria história da arte? Será que um dia, algum jovem de 2050 vai parar, suspirar e dizer: "nossa, queria tanto ter participado dessa época! Ter convivido com o Fulano de Tal, dessa cena cultural tão efervescente!". Por que o passado sempre parece melhor? Por que a gente tem essa incapacidade de enxergar o que acontece bem debaixo de nossos narizes?