quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sem nome

São nove horas da noite. Volto para casa de ônibus. Estou cansada, minhas pernas doem, meus olhos ardem: tudo que quero é descansar.

O ônibus para em um sinal e, vindo do nada, um menino se alinha às janelas do veículo. Pequeno, magro, chinelinhos que mal protegem os pés imundos. Seus olhos suplicam, ele ergue as mãos, pede um trocado.

Fecho os olhos. Não quero ver, não quero sentir, fecho os olhos porque estou cansada, minhas pernas doem, meus olhos ardem e quero chegar em casa, oh, como eu quero chegar em casa!

Abro os olhos e o truque de mágica se concretizou. O menino desapareceu, como que dissolvido pela garoa fina que caía. E senti a humanidade morrer dentro de mim.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Pra que horário de verão?

Já faz uma semana que entramos no horário de verão, e o que tenho pensando constantemente é como ele só tem me ferrado...

Primeiro: meu dia nunca parece render. Eu penso: "nossa, ainda está claro, está cedo" e quando olho no relógio, bam! Já são quase 19h. Isso sem contar no ajuste ao horário, que não aconteceu até hoje: acordo atrasada de manhã e não consigo dormir cedo à noite, indo pra cama bem depois da meia-noite.

Segundo: para que eu quero que o dia dure mais? O papo geral é: "ah, mas dá pra pegar ainda uma prainha depois do trabalho". Aqui no Rio, isso só faz sentido se você trabalha perto da orla. Eu moro e trabalho na zona norte, portanto, não dá tempo é pra nada: é só uma hora a mais de sol na cuca até chegar em casa.

Bem, até agora listei razões muito fortes para detestar o horário de verão. E o negócio é que se dá justo o contrário: eu adoro horário de verão! "WTF?", diriam vocês. Por que gostar de um negócio desses?

O lance é que dá aquela sensação de "aproveitamento do dia" quando saio do trabalho às 17h e ainda está sol. Parece que o dia ainda está cheio de possibilidades, parece que tem 48 em vez de 24 horas (embora, como expliquei no primeiro item, a realidade é bem ao contrário). Vai ver que é o indicativo de que o ano está acabando, as festas de fim de ano estão chegando e também as férias de janeiro (o que pra mim não faz nenhum sentido, porque não tiro férias há cinco anos). Ou então porque acabo participando do ilusionário coletivo de que o horário de verão é lindo e maravilhoso.

Realmente, esse é um grande mistério: por que eu gosto de horário de verão, mesmo?!

domingo, 18 de outubro de 2009

Livro: "Cartas do front"

Então eu consegui terminar de ler Cartas do front, que comprei na Bienal. Demorou, mas foi - além de ler beeem devagar, quase duas páginas por dia (ou melhor, noite, porque leio antes de dormir), fiz digressões para ler Caçada ao maníaco do parque (livro-reportagem, legalzinho) e começar A falecida, do Nelson Rodrigues.

E o que posso dizer do livro? Recomendo com louvor, crianças. O organizador saiu mundo afora à procura de cartas escritas por soldados durante conflitos para seus familiares, amantes, amigos, além das cartas de resposta dessas pessoas que tentavam, mesmo que à distância e por papel, levantar o moral das tropas. Pensei que seria um livro pesado, triste, mas o organizador conseguiu equilibrar: tem cartas engraçadas, leves, superinteressantes, histórias de amor que deram certo (ou não). Também tem cartas tristíssimas, é claro - e engasguei várias vezes lendo o livro. Mas é um relato que ninguém deveria se furtar de ler.

Tem um capítulo especial só com cartas dos pracinhas brasileiros que serviram durante a Segunda Guerra Mundial. Vou colocar uma aqui bem engraçadinha, enviada por Otto da Costa Soares ao irmão Walter, que estava combatendo na Europa. A carta foi escrita depois do fim da guerra, em 8 de maio de 1945:

Prezado irmão,
Em virtude dos últimos acontecimentos no cenário da guerra, tem sido grande, entusiástica mesmo, a alegria que reina em toda parte do Brasil.
Aqui no Rio, o Dia da Vitória foi bem expressivo e veio encher de alegria os corações das famílias que têm representantes na FEB e cujo maior desejo sempre foi ver, de vez, o fim dessa grande tragédia que tanto feriu a humanidade.
Agora só nos resta ver de volta aos lares os valentes soldados que souberam elevar bem alto o nome de nossa pátria.
O assunto em foco aqui no Brasil, atualmente, são as eleições.
Ainda bem que vocês virão todos a tempo para apreciar de perto as suas fases finais.
Há quase um mês que não recebemos carta tua e estamos na expectativa.
Todos aqui estão bem de saúde e enviam abraços. Mamãe manda-te muitos beijos e só pensa na tua volta...
Festa agora aqui é mato. Quase todos os dias me aparecem convites. Pequenas aqui é mato também.
Eu já não posso dar conta de todas elas.
Um abraço fraterno,
Otto Costa Soares.

sábado, 10 de outubro de 2009

Música: The Unicorn Ensemble

Eu adoro história medieval e, nada mais natural, adoro a música feita nesta época. Comentei isso com um colega de trabalho (que, por acaso, é regente do coral da empresa) e ele me emprestou esse mimo: On the Way to Bethlehem, do The Unicorn Ensemble, grupo europeu especializado em Música Antiga. A proposta do álbum é selecionar músicas medievais que vão desde a Europa até o Oriente Médio, percorrendo o caminho que os cruzados e peregrinos faziam até a Terra Santa. O grupo escolheu músicas natalinas para os países cristãos e canções tradicionais, no caso dos países não-cristãos.

O track-list é o seguinte:

01 - Dinaresade (música tradicional síria)
02 - Edi be thu, Heven-Queene (anônimo - Inglaterra)
03 - Nevestinko oro (tradicional - Macedônia)
04 - Beata progenies (Lionel Power)
05 - Mari Stanko (tradicional - Bulgária)
06 - Sei willekommen Herre Christ (anônimo - Alemanha)
07 - Bog se rodi va Betleme / Koleda na Bozic / Kod Bethlehema / Koleda na Bozic (tradicionais - Croácia)
08 - Angelus ad virginem (anônimo - Inglaterra)
09 - Düdül (tradicional - Turquia)
10 - La quinte Estampie real (anônimo - França)
11 - Urbs beata Jerusalem (Guillaume Dufay)
12 - Mevlana (tradicional - Sufi [árabe])

A única ressalva que faço é que a lista das músicas não faz o trajeto real, saindo da Inglaterra e acabando na Arábia. Mas confesso que isso é preciosismo meu, o trabalho do Unicorn Ensemble é perfeito e esse CD é maravilhoso.

No link que coloquei no título do CD, há um tira-gosto: as faixas Mari Stanko e La quinte Estampie real. Aproveitem!

sábado, 3 de outubro de 2009

Rio 2016 - E agora?

Tá, confesso que fiquei um pouquinho feliz com a escolha do Rio para sediar as Olimpíadas - embora, no momento de suspense da leitura do envelope, meu lado sádico quisesse que o presidente do COI lesse "Madrid" só pra ver a cara dos 100 mil que estavam na praia de Copacabana.

Mas o que será do amanhã? Obras faraônicas superfaturadas, verdadeiros sumidouros de dinheiro (que ninguém se esqueça da Cidade da Música), projetos para varrer a pobreza pra debaixo do tapete (como aquela ridícula tentativa do ex-prefeito Conde de pintar todos os barracos das favelas da zona sul em tons de verde, para camuflar na paisagem), aumento no efetivo de policiais para, um dia após o grande evento, tudo voltar a como era antes no quartel de Abrantes. Tenho medo dessa Olimpíada.

Obs.: Numa nota diferente sobre o mesmo assunto, engraçadíssimo o vídeo do âncora da CNN que fica completamente chocado quando Chicago é eliminada logo na primeira rodada de votações. Não sei com o que ele parece mais incrédulo: com o fato de Chicago ter saído assim, de primeira, ou com o fato de Madri e Tóquio ainda permanecerem na disputa. Esses americanos...