sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Resenha: "As meninas"

Para começar, quero deixar registrado: sou grande admiradora do estilo de Lygia Fagundes Telles. Mas devo confessar que só conhecia alguns de seus contos - que, sem medo de exagerar, estão entre os meus preferidos nesse gênero literário -, até começar a acalentar a ideia de ler também os seus romances. O primeiro que elegi foi um de seus mais aclamados trabalhos, As meninas. E esse foi o livro que li neste mês de agosto.

O livro é, na verdade, um retrato de três universitárias que moram no mesmo pensionato de freiras em São Paulo. Lorena é a menina rica, filha de família quatrocentona paulista, aristocrática e sensível. Está em um romance platônico com um homem casado, e ainda se conserva virgem. Lia, filha de baiana com alemão, é a revolucionária que luta para libertar o namorado, preso pelo regime militar. Ana Clara, bela e perturbada, tenta esquecer uma infância e adolescência de maus tratos através do álcool e das drogas, além de sustentar um triângulo amoroso entre seu traficante, Max, e o noivo rico.

São histórias ricas, bem entremeadas numa forma de discurso que jamais vi em outro livro: Lygia mescla as vozes das suas meninas, de forma que a narração em primeira pessoa se reveza entre as três amigas. Em um momento estamos lendo o que Lorena está fazendo, em discurso indireto (terceira pessoa); na frase seguinte, é a própria Lorena quem assume a narrativa da história, e assim acontece com as duas outras personagens.

No momento em que o eu-narrador é assumido por Ana Clara, aí é que o talento de Lygia se supera: ela consegue reproduzir, no papel, as (des)conexões no discurso de uma mente alterada pelos narcóticos. Sem dúvidas, é a minha voz narrativa preferida dentro do livro, pelo que tem de pungente e verdadeiro.

Outro mérito indiscutível da obra é o que representa um ato de coragem de sua autora: colocar um enfoque, durante o período mais negro da ditadura militar, sobre grupos de resistência ao regime. Sequer considerar a existência desses grupos já seria um acinte; que dirá fazer uma de suas protagonistas uma militante! E não fica apenas nisto: o ato de coragem vai além e Lygia descreve com detalhes uma sessão de tortura, que, de acordo com alguns, seria o primeiro depoimento de tortura de que se teria notícia. Lygia explica: "Como eu poderia escrever um romance morno em pleno ano de 1970?"

Apesar da singeleza do nome do livro, não se engane: ele se mostra muito mais denso do que, de início, se pode prever.

Cotação: Cinco de cinco estrelas. Obrigatório.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A morte da bailarina

Eu sempre admirei muito as girafas. Mas não é muito difícil admirá-las, afinal: como, apesar de tão compridas, não são desengonçadas? As pernas longilíneas, o pescoço altivo, graciosamente se inclinando para pegar as folhas das árvores - uma elegância sem par. No mundo animal, a girafa é como a bailarina da música do Chico Buarque (a que não tem chulé e frieira).

Foi duro entrar na página do Globo Online de hoje e me deparar com a bailarina numa pose que jamais vi: estirada ao solo, olhos fechados, como vítima de um crime brutal. A história é de levar às lágrimas. Após ter sofrido uma vida de maus-tratos em um circo, uma pobre girafa foi resgatada e levada ao Zoo de Goiânia. Lá, em vez de um pouco de conforto - que nunca seria completo num espaço confinado, mas definitivamente melhor que a rotina estressante de um circo - a bailarina foi envenenada com chumbinho.

Quem, meu Deus, quem envenena uma girafa, um ser que nem fazer barulho faz?

Mais aterrorizante que a foto da bailarina morta, é saber que 77 animais já morreram nesse Zoo. Isso é abominável. O que podemos fazer para que essa matança termine?!

P.S.: lembro-me agora que minha admiração pelas girafas vem de quando eu era bem pequena. Um de meus brinquedos favoritos era justamente uma girafa de borracha.